quinta-feira, 11 de março de 2010

Artigo - Crônica das cinzas

Aos primeiros raios do sol, saio para caminhar, não por acaso pelas vias onde o samba reinara por vários dias. Ainda alguns desavisados continuam crendo que a folia não acabou, embora oficialmente estejamos na quarta feira de cinzas. Cinzas que parecem ter ficado do frenesi coletivo. Agora é a hora da individualidade, porque não dizer da solidão. Tudo se foi. Só ficaram registradas em nossas mentes as cenas mais peculiares, como tantas de foliões caminhando por quilômetros, com suas fantasias já prontas, da criança ou da vovó sambando.

Confesso: fico a meditar os porquês, das crenças empedernidas na alegria contagiante. Parece até que as pernas das beldades são as traves do gol e o rebolado o momento mágico do estufar das redes. Almas que se jogam numa euforia, num sentido coletivo e agregador. Todas as gerações são acolhidas pelo samba. A outrora esbelta passista dos carnavais mais longínquos, hoje está na ala das baianas, está na mesma escola, com os parceiros e a garra de sempre. Se a estética da vida lhe impõe mudanças, o samba a acolhe.

Olhamos a estampa do carnaval. Os mais críticos, os detalhes mais estéticos. Não olhamos o conjunto, a ala da força, cuja missão é empurrar pesados carros pela avenida inteira. Outros se doam muito mais escondidos, entre as fantasias de jacarés e onças, para dar-lhes movimentos que encantam a todos. Estão lá, escondidos e solitários, certos de fazerem parte de um só corpo e, naquele momento, sua nação, sua escola.
Caminho pausadamente entre fantasias caídas, deixadas sabe-se lá por quem, nem mesmo por onde devem andar agora. Por certo, uns vão direto da passarela para o batente, outros voltam para o regaço de suas casas. Amadas e amados. Uns se justificam, para outros o samba é a justificação. Afinal, neste mundo de tragédias todos temos direito ao regozijo, ainda que uma vez por ano.

No Brasil, todos dizemos que o ano começa após o carnaval. Muitos vêem isto como um pecado, a raiz de nosso atraso. Não vejo assim. Como pode ser pecado o sorriso aberto do mais simples, do mais deserdado? Como seria pecado ver a ingenuidade da criança ao dar os primeiros passos nos compassos do samba? Como poderia ser pecado a beleza, a alegria, o riso, contido ou escrachado? Pois como crente que sou, creio ser o riso o suspiro de Deus. Viva ao samba, vamos em frente que atrás vem gente, com Copa do Mundo, eleição e tudo. Ah, esse enredo de 2010 promete. E muito. De preferência, sem panetones.
Luiz Carlos Romazzini

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