Nesta eleição, particularmente, um tema tornou-se central, em que pese vivemos num Estado laico: a religiosidade ou fragmentos dela ocupou um espaço impensável a depreender da historia de vida dos quatro principais candidatos. Digo isto, pois, Dilma, Serra, Marina e Plínio de Arruda sempre tiveram suas atenções ligadas a temas muito mais republicanos e concretos da existência humana. Preocupações com a liberdade, com o meio ambiente e a democracia institucional ocuparam agendas e a vida dos quatro.
Este fenômeno obviamente será tema de estudos de parte de marqueteiros, pensadores e estrategistas, mas espero mesmo que fiquem apenas no plano dos estudos e que não tenhamos mais este tema como centro do debate em qualquer eleição.
Nosso país precisa e muito de discussões mais terrenas e menos transcendentais, precisa de comida na mesa, de educação de qualidade, de desenvolvimento sustentável, de política externa que defenda nossa inserção nos mercados mundiais, de uma nova política para o desenvolvimento do esporte, de encararmos o drama habitacional, de nossas cidades que não crescem, mas incham com todas as mazelas, de retomada da autoridade do Estado nos territórios hoje dominados pelo tráfico. E, principalmente, de não mais sermos reféns do crime, como acontece hoje em São Paulo.
Sabemos da importância da religião pelos seus primados éticos e morais, mas daí a decidirmos tudo sob o prisma da religiosidade deste ou daquele, isto me assusta. Daqui a pouco não mais será preciso aplicar a provinha no Tiririca, mas submeter o candidato para saber recitar o salve rainha, ou se tem décor os incontáveis salmos ou as cartas do Apóstolo Paulo a Timóteo. Sabemos e cremos na existência de Deus, mas daí a jogar todas as responsabilidades e dramas e soluções no Sagrado me cheira enganação e das grossas.
Na minha curta experiência de mandatos, a prática me ensinou, especialmente no caso mensalinho em Guarujá, que a palavra de Deus não é o manto salvador apenas, mas o manto sob o qual ratões se escondiam para locupletarem-se com práticas, nada republicanas, quanto mais cristãs.
Por derradeiro, aos que vivem a misturar fé e voto, recomendo que assistam ao filme Rainha Margot, no qual, em magistral papel, Isabele Adjani interpreta a filha de Catarina de Médici, com suas diabólicas tramas que, usando do nome de Deus, numa só noite assassinam friamente seis mil franceses. Talvez a história tenha muito mais a nos ensinar do que esta hipocrisia generalizada, destes atores de óperas-bufas da contemporaneidade e pobreza do debate político atual. Afinal, o Brasil sempre marcado pela pluralidade religiosa e cultural, não precisa nem um pouco deste ingrediente de ódio e desespero eleitoreiro.
Luis Carlos Romazzini